Sentada no ônibus, cabeça pendendo sobre a mão cerrada. Olhos entreabertos, não conseguia dormir. Deixara o carro em casa, não queria dirigir.
Naquela manhã, na ida ao trabalho, hora de pico, olhos curiosos a fitavam. Vestido preto, justo, na altura dos joelhos, scarpin e maquiagem sóbria, não se encaixava na paisagem.
Agora, já tarde da noite, atirava-se em um dos muitos bancos vagos, sozinha a fitar o nada. Tentava ler alguns dos poemas, afixados nas janelas. Normalmente, lhe causavam estranheza. Muitos foram motivo de riso, outros despertavam pensamentos profundos. Agora, nada. Sentia-se dormente. Tentara olhar para os poucos viajantes, que embarcavam e desembarcavam, na esperança de que alguém lhe fizesse sentir algo. Qualquer um. Qualquer coisa. Ninguém para salvá-la.
Deixou passar sua parada. Mais uma. E mais uma. Desceu no fm da linha. Fez o caminho de volta a pé. Os pés não doíam. Passou em frente a sua casa. Seguiu até o bar da outra quadra. Um whisky, por favor. Não suportava whisky. Mais uma dose, por gentileza. Mais uma dose e uma carteira de Malboro Light... Vermelho! Malboro Vermelho. Obrigada.
No portão de casa, vasculhava a bolsa cor de vinho, par com os sapatos. Não encontrou a chave. Encontrou o celular.
Quarenta minutos depois, o chaveiro abria a última fechadura da última porta, olhando as panturrilhas bem torneadas da morena. Ela ofereceu-lhe um drink. Um café? Quem haveria de tomar café a essas horas? Quem sabe uma água?
Assinou o cheque, estendeu a mão para pegar de volta o copo. Seria ele a me salvar?
Insistiu no drink. "Uma cervejinha cairia bem..." Cerveja não tinha. Um vinho talvez? "Só uma tacinha não vai atrapalhar." Foram quatro. Ela o acompanhou, com uma. Servia o homem e fingia beber no mesmo ritmo.
O levou para a sala principal. Ele quis levá-la para o quarto. O quarto é meu. Meu canto. No quarto não... Convenceu sem dificuldades, sem palavras, a ficarem por ali.
"Boa noite senhora." Senhorita. "Desculpe. Boa noite". Boa noite.
Enxeu a banheira. Acendeu as velas. Apagou a luz. Olhos entreabertos. Não conseguia dormir.
Zapeava os 80 canais da televisão a cabo. Lia a mesma página do livro pela sexta vez. Trocava as estações do rádio, sem nada ouvir. O sol raiou.
Vestiu uma calça social, camisa de botões, jóias, maquiagem, sapatos, trocou a bolsa, achou as chaves originais.
Checou os e-mails, as notícias, a agenda. Tomou um suco de laranja, uma xícara de café - preto, sem açúcar, abasteceu a vasilha do gato, passou o perfume, pegou a chave do carro. Devolveu a chave ao seu lugar.
Na rua, caminhava em direção ao ponto de ônibus.
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